Tudo começou com uma garrafa de whisky. Tudo sempre começava com a bebida. E então vinham os cigarros, as vezes, quando ele tinha um dinheiro sobrando, charutos. Tudo começava aí. Ele então se sentava em frente ao notebook, abria o word e escrevia. As vezes ele escrevia algo bom, mas na maioria das vezes era só lixo. E isso o fazia beber mais. Mais, mais, mais e mais. A bebida as vezes errava a boca e molhava a roupa e o notebook. Ele limpava a boca e o computador com a camisa. Suas camisas e calças eram todas manchadas de fuligem de cigarro e de alguma bebida. O telefone nunca tocava, o celular nunca tocava, a campainha nunca tocava, a porta nunca era batida. E ele escrevia. Depois de algumas horas ele já bêbado não conseguia digitar um período corretamente. Mas ele não se importava, ele salvava e usava o corretor quando estivesse sóbrio. O que importava era ele bombardear as teclas com seus grandes dedos. Ele dava um grande gole, aspirava a fumaça. A fumaça misturava no álcool e ele engolia aquilo tudo. E continuava a escrever. Horas, horas, horas e horas. Ele nunca parava por vontade própria. Sempre era derrubado pela bebida.
Mas antes dele ser derrubado pela bebida. Antes de ficar horas, horas, horas e horas escrevendo. De engolir fumaça misturada com álcool. De bombardear o teclado com seus grandes dedos. De começar a digitar errado. Antes da porta não ser batida, a campainha não ser tocada, o celular não tocar, o telefone não tocar. Antes de suas camisas e calças serem manchadas por cigarro e bebida. Antes de limpar a bebida que errou a boca. Antes de beber mais, mais, mais e mais por na maioria das vezes só escrever lixo. De abrir o word. De se sentar na frente do notebook. Antes do cigarro. Antes de tudo começar com a bebida. Antes disso tudo, situado no pretérito-mais-que-perfeito, tinha alguém. Alguém que despedaçara seu coração. Que o largara na merda. Que o abandonara sem dizer adeus, sem um telefonema, sem um beijo de despedida, sem um último abraço.
Se hoje tudo começou com a bebida e depois veio cigarro, o sentar a frente do notebook, o abrir o word, a bebida errando a boca, as camisas e calças manchadas. É porque ele espera que o telefone toque, que o celular toque, que a campainha toque, que a porta seja batida. E que do outro lado do telefone, do celular, da campainha e da porta, seja ela. Ela que despedaçara seu coração, o largara na merda, o abandonara sem adeus, telefonema, beijo ou abraço. Ele espera que seja ela voltando para o adeus, o telefonema, o beijo e o abraço.